“Você trabalha com quê?", me pergunta o motorista do Uber, por curiosidade ou hábito, ao perceber que aquela estava longe de ser minha última viagem da semana. "Trabalho com Direitos Humanos", respondo, já esperando o choque. "Na ONU", complemento. "Olha, que diferente… Nem imaginaria… a senhorita tem cara de doutora, achei que era dessas empresas da Faria Lima".
É, faz sentido, até porque Faria Lima era o meu destino final e a minha roupa provavelmente destoava do imaginário de como se parece uma defensora de direitos humanos. Ele estava mesmo curioso e me perguntou "como é que eu fui parar nisso" e "se eu gostava do que eu fazia". Um filme passou na minha cabeça, logo na semana em que eu estava prestes a realizar mais um sonho da menina que saiu da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo (SP), mas já incorporou de muitas maneiras o pragmatismo e a experiência da mulher e o pensamento estratégico da profissional que passou os últimos 20 anos muito mais na Faria Lima do que talvez gostaria. Uma menina que, do alto dos seus 17 anos acreditava que, como advogada, estaria diretamente engajada na luta por um País e um mundo mais justos. Que queria fazer a diferença e deixar um legado. Uma menina cujo sonho era trabalhar na ONU, no Itamaraty ou atuar em grandes causas de relevância social, mas que logo constatou que raramente sonhos e sobrevivência andam lado a lado.
O trecho acima abria minha contribuição em um artigo para a Um Só Planeta por ocasião do Dia Internacional dos Direitos Humanos em 2022.
Há dois anos eu vivia meu sonho de trabalhar com o que sempre sonhei.
Há dois anos eu nem imaginava que viveria, tempos depois, um grande pesadelo de desrespeito aos direitos humanos dentro da organização que deveria levar a agenda adiante no setor empresarial.
Eu já sabia, porém, que defender direitos humanos tem um preço. Sempre disse que “se você defende direitos humanos e não está sendo perseguido por alguém (ou muitos alguens), você está fazendo isso errado.”
Em 2024, o mundo segue desrespeitando sistematicamente o que há de mais básico. O genocídio palestino segue desenfreado com cada vez menos atenção da grande mídia e das pessoas, a maior potencia bélica e politica (talvez a segunda maior, mas enfim…) acaba de eleger um aguerrido defensor do DESRESPEITO e VIOLAÇÃO de direitos (não só os fundamentais, mas de tudo quanto é tipo que não privilegie a ele e sua oligarquia pessoal) e, no Brasil, o Estado segue matando e violentando seu povo, especialmente a juventude negra, mulheres, crianças e grupos mais vulneráveis.
Milhões ignoram nosso passado e desejam uma sociedade que retroceda em conquistas suadas e sangradas, e ainda assim BÁSICAS.
As pessoas fingem normalidade diante do fato de que o ex-presidente da republica (minúscula mesmo) estava envolvido em uma tentativa de golpe de estado e assassinato do Presidente Eleito, seu Vice e de um Ministro da Suprema Corte. Tudo isso com aval e liderança “estratégica” e “tática” de parte do alto escalão das forças armadas.
Mais um dia normal na rotina do roteirista da 524esima temporada de BRAZEL.
Tudo completamente deprimente e assustador.
Tem sido realmente difícil não se sentir muito cansada dos mesmos discursos, mesmas supostas soluções, recheadas de palavras bonitas e pouca, pouquíssima, ação concreta. Sobra demagogia, falta assertividade e vontade de fazer. Muito close, pouco corre!
Me citando aqui porque eu andei realmente cansada da desesperança que andou me assolando (e me derrubou de alguma forma), mas eu me recuso, simplesmente me recuso a desistir.
Sigo me agarrando à esperança e à utopia como antídotos ao desconsolo e à paralisia.
E nada me ensinou tanto sobre esperança e utopia quanto nascer latinoamericana.
Me agarro ao otimismo da vontade de quem tem convicção de que a caminhada e a forma como a vivemos importa tanto quanto o resultado para me reerguer da decepção e do pessimismo da razão.
E é por isso que encerro esse texto hoje, em 2024, como encerrei em 2022 e depois em 2023 e encerrarei quantas vezes forem necessárias:
Celebrar as vitórias, os dias bons, os afetos potentes, é a chave para não ser consumida pelo pessimismo e o derrotismo que toma conta quando olhamos apenas para o que ainda falta.
Reconhecer o privilégio, aceitar a sorte, agradecer a oportunidade e assumir a responsabilidade!
Não importa quantas vezes nos derrubem, sempre haverá muito mais razões para nos levantarmos quantas vezes forem necessárias em defesa de uma sociedade que, por ora, podemos apenas imaginar.

