[Alerta de gatilho: este texto contém relatos e referências sensíveis sobre abuso e violência sexual infantil e suicídio. Caso você se identifique ou conheça alguém que esteja passando por esse problema, denuncie: disque 100. Procure ajuda e não leia se não estiver confortável]
Eis que na sexta tive uma recaída feia.
Daquelas que não me levam para o buraco, me jogam de cara - sem mãos para proteger os dentes - em um poço com uma cama de faquir no fundo!
Tudo em mim doía e estava cansado.
Uma exaustão diferente das que a rotina insana imprimia a cada célula do meu corpo, entre um avião e uma cama de hotel diferentes e doses diárias de mais de 16 horas de telas e incontáveis (e desnecessárias reuniões).
Ouso dizer que meu corpo já está aprendendo a descansar. Dormir bem, fazer exercícios e estar medicada ajuda mesmo! Mas esta cabecinha e o coração ferido seguem pregando peças nada divertidas.
A crise foi contida e aplacada e acordei com o olho inchado e o coração mais “leve”. Voltei ao “controle” kkkk da minha fértil (e porque não fétida) imaginação e pude parar um pouco para tentar compreender o que estava ali latente.
Foi quando iniciei uma série que há muito queria assistir e que não estava conseguindo engatar.
Entre Estranhos (tem na Apple+)
Na produção executiva e no elenco de “Entre Estranhos”, uma minissérie de 10 episódios, Tom Holland interpreta Danny Sullivan, um homem preso por se envolver em um tiroteiro em Nova York em 1979. Neste suspense cativante contado em uma série de entrevistas com a curiosa interrogadora Rya Goodwin (Amanda Seyfried), a vida de Danny se desenrola e revela elementos do misterioso passado que o moldou e dos acontecimentos que o levaram a uma revelação determinante.
Ok, esta é a sinopse e agora vem spoiler real, então recomendo assistir e voltar depois, ou siga por sua conta e risco!
A trama é contada através de uma série de entrevistas com a investigadora Rya Goodwin, que tenta entender o que levou Danny a cometer os crimes.
A história de Danny é marcada por relações abusivas e em determinado momento começa a desenrolar que Danny sofre de TDI (transtorno dissociativo de identidade), a partir do trauma de ter sido repetidamente abusado sexualmente pelo padrasto, abandonado emocionalmente pela mãe (que assim como em tantos casos similares) bloqueia o que sabe pois também presa de uma relação abusiva, tornando-se assim também algoz de mais uma criança ferida.
Na maioria das vezes, o transtorno dissociativo de identidade é causado por um grande trauma durante a infância, como abuso físico, emocional ou sexual, mas também pode se desenvolver após acidentes e outros eventos traumáticos na vida pessoa.
Estas traumas de infância podem causar alterações na capacidade da pessoa formar uma identidade, especialmente quando os agressores são familiares ou pessoas próximas. Entretanto, o risco do desenvolvimento deste transtorno diminui caso a criança se sinta protegida e tranquilizada pelos cuidadores.
Tendo eu mesma vivido traumas muito similares aos do protagonista sem, no entanto, ter desenvolvido transtornos tão graves (ao que tudo indica eu tenho mesmo só uma personalidade e ela é insuportável!) eu passei a noite entre pesadelos e memórias com doses de reflexão me perguntando: será que o meu “transtorno” é “fingir que eu sou normal”?
Será que eu estou quebrada para sempre e enfiar a cara no trabalho e construir uma vida com a maior normalidade possível, enquanto por dentro eu estou sempre gritando, nao é justamente um sintoma da minha anormalidade?
Não seria mais normal que eu estivesse por ai cometendo crimes ou pulando de um hospital psiquiátrico para o outro?
Ao que parece, ser “bem-sucedida” e ter uma linda família não tem sido remédio suficiente para minha mente e meu coração sossegarem no conforto da “superação”.
Logo eu, que há mais de 20 anos faço um esforço hercúleo para não me ver - e nem deixar que me vejam - como vítima, me vi ali presa ao trauma e apavorada com a possibilidade de que o “não, se preocupe, isso já está resolvido e terapeutizado” seja, na verdade, uma grande dissociação que eu contei para mim mesma para poder SOBREVIVER!
Quando escrevi esse texto na minha coluna n’Azmina eu jurava que estava tudo curado. E, de certa forma, estava.
O abuso fisico em si, mas e o medo constante de abandono? De não ser nunca boa o suficiente e estar sempre esperando o final infeliz da minha vida que é o que de fato eu mereço?
Deve ser por isso que você sempre dá um jeito de se autosabotar, se diminuir e deixar que todo o esforço para se fazer gostar, em algum momento, seja em vão. Até parece que você se esforça para que em algum momento te provem que você mereceu.
Esta vozinha, aguda e cruel que me acompanha a cada esquina escura da minha própria mente e me deixa exausta, talvez seja a verdadeira razão pela qual eu tenha tanta dificuldade em parar.
Sim, porque ouvir meus próprios pensamentos é, frequentemente, desesperador.
Fiquei mal com isso o dia todo.
Por sorte, tive consulta com a psiquiatra hoje. Inserimos mais uma medicação para estabilizar o humor e não escorregar em caminhos mais perigosos.
“Eu não posso ignorar que você é uma paciente com duas tentativas de suicídio e um histórico grave de abusos”, ela me disse.
Não? Eu ri…
Porque fazer piada foi o que Chandler Bing me ensinou quando estou nervosa ou desconfortável. Logo quem…
E aí, diante de toda essa bela sopa de sentimentos, me deparo com uma constatação ainda mais amarga: tanto esforço para parecer “normal” pelo jeito não serviu de nada…
Falhei nisso também… deammm
E aí vem a outra voz.
Aquela que já me salvou tanto!
“Você é forte e corajosa!”
“Você é doce e generosa!”
“Você NÃO É o que fizeram com você!”
E, sei lá, achei que talvez mais alguém ai hoje precisasse ser lembrada ou lembrado disso!
Talvez a minha vida seja sim uma eterna discussão entre essas duas vozes…
Talvez a voz cruel ganhe…
Talvez eu consiga estragar tudo de bom que a outra me deu…
Mas hoje, neste momento, eu escolho acreditar na minha voz mais bondosa e abaixar ao máximo o ruído que não me deixa ouvir o que ela tem a me dizer!
Espero que vocês aí consigam fazer o mesmo… ao menos por hoje…
Um beijo
Com amor, Tay ❤️
Ps: essa semana não tem newsletter
🧡🧡🧡🧡